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Abstract(s)
The European sovereign debt crisis prompted the European Central Bank (ECB) to implement a series of unconventional monetary policy measures to restore confidence in the euro. This crisis also led the EU to establish a Single Supervisory Mechanism, overseen by the ECB. Moreover, the response to the COVID-19 pandemic further widened the ECB’s unconventional toolkit, not to mention the subsequent Transmission Protection Instrument to support an effective monetary policy transmission following Ukraine’s invasion. In addition, new objectives, such as the fight against climate change, are likely to further extend the ECB’s powers. While some of these changes could be seen as necessary to preserve financial and economic stability in the euro area, they have also led to an increasing accumulation of power that may go beyond the ECB’s supposedly technocratic nature. Against this background, our main objective is to examine whether the ECB’s increasing scope for action, most notably after the sovereign debt crisis, may threaten its democratic legitimacy. To conduct this analysis, we initially concentrate on the concept of discretion. We demonstrate how specific policies of the ECB have led the institution to move beyond its technocratic realm. Then, in the following part, we consider whether the institution’s growing discretion may be influenced by the level of political experience of those involved in the decision-making. In this part, we also have a look at the implications of our findings for the independence of the ECB. At last, in Part 3, based on the concept of legitimacy, we discuss the main implications of the conclusions reached in Parts 1 and 2. We stress that discretionary judgements make it more challenging to justify delegating powers to independent central banks. Ultimately, we conclude that the ECB’s legitimacy depends on its limited discretion in the future.
O processo de integração da União Europeia (UE) nem sempre foi fácil e foi inevitavelmente marcado por sucessos, iniciativas falhadas ou mesmo eventualmente por passos demasiado ambiciosos. Nas partes iniciais desta investigação, destacamos a quase inevitabilidade da criação de uma moeda única, sobretudo tendo em conta o compromisso anteriormente assumido pelos líderes europeus no sentido de alcançar um mercado único funcional e justo. No plano económico, constatamos também que as sucessivas etapas de integração se confrontaram com o desenvolvimento de uma União Económica e Monetária imperfeita, por exemplo, sem mecanismos adequados de coordenação fiscal, o que levou a grandes tensões na área do euro, em particular durante a crise das dívidas soberanas. Em resposta a esta crise existencial, o Banco Central Europeu (BCE) adoptou medidas não convencionais de política monetária para restaurar a confiança no euro. A crise levou também à criação do Mecanismo Único de Supervisão, liderado pelo BCE, que é actualmente o principal organismo responsável pela supervisão dos bancos na Europa. Anos depois, a resposta à pandemia do COVID-19 alargou, por exemplo, o tipo e a dimensão dos programas de compra de ativos utilizados pelo BCE, para não falar do mais recente “Instrumento de Proteção da Transmissão” que se seguiu para apoiar uma transmissão eficaz da política monetária na sequência da invasão da Ucrânia. Adicionalmente, novos objectivos, como a luta contra as alterações climáticas, são susceptíveis de alargar ainda mais o âmbito de actuação do BCE. De facto, embora algumas das medidas tomadas pelo BCE possam ter sido necessárias para preservar a estabilidade financeira e económica na área do euro, especialmente em períodos de crise, também conduziram a uma acumulação crescente de poder que parece levar a instituição a ultrapassar a sua natureza supostamente tecnocrática. Neste quadro, questionamos em que medida o alargamento do campo de acção do BCE, especialmente após a crise das dívidas soberanas, pode ameaçar a sua legitimidade democrática. Com este propósito, a tese está dividida em três partes, cada uma centrada num de três conceitos interdependentes: discricionariedade, independência e legitimidade. Neste contexto, a primeira parte visa compreender em que medida o BCE tem exercido uma maior discricionariedade na sequência das várias crises às quais teve de dar resposta. Para esta investigação, tivemos em conta a evolução do contexto político e económico, bem como a natureza mutável das decisões do BCE para fazer face a novos desafios. Da nossa análise, defendemos que o aumento de discricionariedade por parte do BCE, quer através da aplicação de instrumentos não convencionais, quer através da centralização da supervisão bancária europeia, é acompanhado por uma crescente capacidade de afectar significativamente as condições económicas. Por outro lado, argumentamos também que para além do mandato da estabilidade dos preços, a existência de outros objetivos, como o crescimento económico, a estabilidade financeira, ou mesmo o combate às alterações climáticas, aumentam o nível de subjectividade a que o BCE está sujeito, nomeadamente porque vários objectivos, por vezes conflituantes entre si, têm de ser equilibrados. No entanto, defendemos também que parte do que poderíamos ter identificado como a crescente discricionariedade do BCE foram respostas a emergências e não propriamente o resultado de uma escolha política proactiva, com a notável excepção do papel da instituição nas alterações climáticas. Nestas circunstâncias, e por exemplo durante a crise da dívida soberana, os custos de uma eventual inacção do BCE poderiam ter sido muito mais elevados do que os custos de um cumprimento rigoroso das regras, não só para os países mais frágeis, mas também para os países financeiramente mais sólidos. Contudo, mesmo que algumas decisões fossem “quase inevitáveis” dado o contexto, concluímos que tal não significa que possa existir um défice de legitimidade associado às decisões políticas tomadas por uma instituição independente (e supranacional) como o BCE. Ponto que desenvolvemos em mais detalhe na Parte 3. De seguida, na segunda parte, centramo-nos no conceito de independência, avaliando os antecedentes e o perfil político dos membros do Conselho de Governadores do BCE, a fim de compreender até que ponto a crescente discricionariedade da instituição pode também estar ligada ao perfil político dos decisores envolvidos. Para esta avaliação, estudamos o percurso académico e profissional de todos os membros do Conselho de Governadores do BCE de 1998 a 2023. Desenvolvemos também um modelo de scoring para medir o nível de experiência política ao longo dos anos. Esta análise demonstra que a presença de membros do Conselho de Governadores com um perfil político foi sempre uma realidade. Porém, o número de banqueiros centrais com experiência política relevante não está a aumentar visivelmente nas últimas décadas, tendo-se mantido relativamente constante, embora existam algumas diferenças entre os vários países da área do euro que merecem ser salientadas. O BCE apresenta também níveis semelhantes de experiência política no seu Conselho de Governadores quando comparado com o órgão equivalente na Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed). Particularmente tendo em conta estes resultados, não podemos atribuir de forma definitiva a crescente discricionariedade das políticas do BCE nos últimos anos à presença de antigos políticos no Conselho de Governadores. Contudo, também com base nos argumentos apresentados na primeira parte, continuamos a defender que o BCE se tornou mais politizado desde a crise da dívida soberana da UE. Isto deve-se ao facto de a instituição ter começado a tomar decisões que vão para além da dimensão técnica, implicando juízos de valor que têm um impacto significativo na vida dos cidadãos. Identificamos também uma aparente procura de popularidade e de um maior envolvimento das lideranças do BCE em temas de cariz mais político. Neste enquadramento, argumentamos que os banqueiros centrais não podem apenas ser considerados tecnocratas, o que acaba por estar reflectido num Conselho de Governadores historicamente composto por perfis mistos de políticos e tecnocratas. Com efeito, tal como em ministros das Finanças ou da Justiça, os conhecimentos técnicos são importantes, mas as considerações políticas e os juízos de valor parecem também ter um impacto significativo no processo de tomada de decisão do BCE. Conforme desenvolvido nesta segunda parte, tal poderá também justificar o que parecem ser perfis e critérios de selecção muito semelhantes entre ministros tecnocráticos (ou seja, sem carreira partidária) e banqueiros centrais. Por fim, na terceira parte, com base no conceito de legitimidade, discutimos as principais consequências das conclusões obtidas nas Partes 1 e 2. Destacamos que decisões baseadas em juízos subjectivos tornam mais difícil justificar a delegação de poderes em bancos centrais independentes, especialmente quando estes parecem ter falhado, pelo menos temporariamente, no controlo da inflação. Concluímos assim que a grande crise financeira, exacerbado por crises subsequentes, tornou cada vez mais difícil conciliar a discricionariedade, a independência e a legitimidade dos bancos centrais. Se antes a independência era praticamente suficiente para garantir que os bancos centrais cumpririam os seus mandatos com alguma discricionariedade, mas sem que fossem tomadas grandes decisões distributivas com recurso a juízos de valor, hoje a realidade mudou. Não obstante, a independência continua a ser uma condição necessária para a existência de bancos centrais eficientes, nomeadamente capazes de controlar a inflação. Deste modo, a tentação política de reduzir a independência dos bancos centrais em nome de uma maior legitimidade democrática parece ser um caminho muito arriscado, sendo certo que a interferência política, como a história demonstrou no passado, tenderá inevitavelmente a resultar em bancos centrais menos eficientes. Neste âmbito, conforme desenvolvido na Parte 2, a supranacionalidade do BCE comporta as suas especificidades, levando a que potenciais interferências de governos nacionais tenham uma probabilidade reduzida de sucesso na condução da política monetária. Assim sendo, no caso específico da área do euro, o risco mais significativo associado a uma maior intervenção do BCE não resulta sobretudo de possíveis ataques à sua independência por governos nacionais. Resulta, assim, da existência de decisores necessariamente independentes, e por isso menos sujeitos ao escrutínio democrático, mas cujos poderes parecem entrar cada vez mais num campo menos técnico e mais subjectivo, características que são tradicionalmente associadas ao poder eleito. Um desfasamento que suscita problemas de legitimidade, especialmente num contexto supranacional. Nesta perspectiva, concluímos que a melhor forma de preservar a legitimidade do BCE é reduzir o seu campo de acção, limitando juízos de valor e privilegiando uma cultura de discrição que era característica dos bancos centrais das economias avançadas, pelo menos antes da grande crise financeira. Reconhecendo ser irrealista assumir o desprovimento total de elementos discricionários nas decisões do BCE, na medida em que situações imprevistas podem efectivamente requerer acções inovadoras, defendemos a necessidade de ter um banco central com um poder discricionário mais limitado.
O processo de integração da União Europeia (UE) nem sempre foi fácil e foi inevitavelmente marcado por sucessos, iniciativas falhadas ou mesmo eventualmente por passos demasiado ambiciosos. Nas partes iniciais desta investigação, destacamos a quase inevitabilidade da criação de uma moeda única, sobretudo tendo em conta o compromisso anteriormente assumido pelos líderes europeus no sentido de alcançar um mercado único funcional e justo. No plano económico, constatamos também que as sucessivas etapas de integração se confrontaram com o desenvolvimento de uma União Económica e Monetária imperfeita, por exemplo, sem mecanismos adequados de coordenação fiscal, o que levou a grandes tensões na área do euro, em particular durante a crise das dívidas soberanas. Em resposta a esta crise existencial, o Banco Central Europeu (BCE) adoptou medidas não convencionais de política monetária para restaurar a confiança no euro. A crise levou também à criação do Mecanismo Único de Supervisão, liderado pelo BCE, que é actualmente o principal organismo responsável pela supervisão dos bancos na Europa. Anos depois, a resposta à pandemia do COVID-19 alargou, por exemplo, o tipo e a dimensão dos programas de compra de ativos utilizados pelo BCE, para não falar do mais recente “Instrumento de Proteção da Transmissão” que se seguiu para apoiar uma transmissão eficaz da política monetária na sequência da invasão da Ucrânia. Adicionalmente, novos objectivos, como a luta contra as alterações climáticas, são susceptíveis de alargar ainda mais o âmbito de actuação do BCE. De facto, embora algumas das medidas tomadas pelo BCE possam ter sido necessárias para preservar a estabilidade financeira e económica na área do euro, especialmente em períodos de crise, também conduziram a uma acumulação crescente de poder que parece levar a instituição a ultrapassar a sua natureza supostamente tecnocrática. Neste quadro, questionamos em que medida o alargamento do campo de acção do BCE, especialmente após a crise das dívidas soberanas, pode ameaçar a sua legitimidade democrática. Com este propósito, a tese está dividida em três partes, cada uma centrada num de três conceitos interdependentes: discricionariedade, independência e legitimidade. Neste contexto, a primeira parte visa compreender em que medida o BCE tem exercido uma maior discricionariedade na sequência das várias crises às quais teve de dar resposta. Para esta investigação, tivemos em conta a evolução do contexto político e económico, bem como a natureza mutável das decisões do BCE para fazer face a novos desafios. Da nossa análise, defendemos que o aumento de discricionariedade por parte do BCE, quer através da aplicação de instrumentos não convencionais, quer através da centralização da supervisão bancária europeia, é acompanhado por uma crescente capacidade de afectar significativamente as condições económicas. Por outro lado, argumentamos também que para além do mandato da estabilidade dos preços, a existência de outros objetivos, como o crescimento económico, a estabilidade financeira, ou mesmo o combate às alterações climáticas, aumentam o nível de subjectividade a que o BCE está sujeito, nomeadamente porque vários objectivos, por vezes conflituantes entre si, têm de ser equilibrados. No entanto, defendemos também que parte do que poderíamos ter identificado como a crescente discricionariedade do BCE foram respostas a emergências e não propriamente o resultado de uma escolha política proactiva, com a notável excepção do papel da instituição nas alterações climáticas. Nestas circunstâncias, e por exemplo durante a crise da dívida soberana, os custos de uma eventual inacção do BCE poderiam ter sido muito mais elevados do que os custos de um cumprimento rigoroso das regras, não só para os países mais frágeis, mas também para os países financeiramente mais sólidos. Contudo, mesmo que algumas decisões fossem “quase inevitáveis” dado o contexto, concluímos que tal não significa que possa existir um défice de legitimidade associado às decisões políticas tomadas por uma instituição independente (e supranacional) como o BCE. Ponto que desenvolvemos em mais detalhe na Parte 3. De seguida, na segunda parte, centramo-nos no conceito de independência, avaliando os antecedentes e o perfil político dos membros do Conselho de Governadores do BCE, a fim de compreender até que ponto a crescente discricionariedade da instituição pode também estar ligada ao perfil político dos decisores envolvidos. Para esta avaliação, estudamos o percurso académico e profissional de todos os membros do Conselho de Governadores do BCE de 1998 a 2023. Desenvolvemos também um modelo de scoring para medir o nível de experiência política ao longo dos anos. Esta análise demonstra que a presença de membros do Conselho de Governadores com um perfil político foi sempre uma realidade. Porém, o número de banqueiros centrais com experiência política relevante não está a aumentar visivelmente nas últimas décadas, tendo-se mantido relativamente constante, embora existam algumas diferenças entre os vários países da área do euro que merecem ser salientadas. O BCE apresenta também níveis semelhantes de experiência política no seu Conselho de Governadores quando comparado com o órgão equivalente na Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed). Particularmente tendo em conta estes resultados, não podemos atribuir de forma definitiva a crescente discricionariedade das políticas do BCE nos últimos anos à presença de antigos políticos no Conselho de Governadores. Contudo, também com base nos argumentos apresentados na primeira parte, continuamos a defender que o BCE se tornou mais politizado desde a crise da dívida soberana da UE. Isto deve-se ao facto de a instituição ter começado a tomar decisões que vão para além da dimensão técnica, implicando juízos de valor que têm um impacto significativo na vida dos cidadãos. Identificamos também uma aparente procura de popularidade e de um maior envolvimento das lideranças do BCE em temas de cariz mais político. Neste enquadramento, argumentamos que os banqueiros centrais não podem apenas ser considerados tecnocratas, o que acaba por estar reflectido num Conselho de Governadores historicamente composto por perfis mistos de políticos e tecnocratas. Com efeito, tal como em ministros das Finanças ou da Justiça, os conhecimentos técnicos são importantes, mas as considerações políticas e os juízos de valor parecem também ter um impacto significativo no processo de tomada de decisão do BCE. Conforme desenvolvido nesta segunda parte, tal poderá também justificar o que parecem ser perfis e critérios de selecção muito semelhantes entre ministros tecnocráticos (ou seja, sem carreira partidária) e banqueiros centrais. Por fim, na terceira parte, com base no conceito de legitimidade, discutimos as principais consequências das conclusões obtidas nas Partes 1 e 2. Destacamos que decisões baseadas em juízos subjectivos tornam mais difícil justificar a delegação de poderes em bancos centrais independentes, especialmente quando estes parecem ter falhado, pelo menos temporariamente, no controlo da inflação. Concluímos assim que a grande crise financeira, exacerbado por crises subsequentes, tornou cada vez mais difícil conciliar a discricionariedade, a independência e a legitimidade dos bancos centrais. Se antes a independência era praticamente suficiente para garantir que os bancos centrais cumpririam os seus mandatos com alguma discricionariedade, mas sem que fossem tomadas grandes decisões distributivas com recurso a juízos de valor, hoje a realidade mudou. Não obstante, a independência continua a ser uma condição necessária para a existência de bancos centrais eficientes, nomeadamente capazes de controlar a inflação. Deste modo, a tentação política de reduzir a independência dos bancos centrais em nome de uma maior legitimidade democrática parece ser um caminho muito arriscado, sendo certo que a interferência política, como a história demonstrou no passado, tenderá inevitavelmente a resultar em bancos centrais menos eficientes. Neste âmbito, conforme desenvolvido na Parte 2, a supranacionalidade do BCE comporta as suas especificidades, levando a que potenciais interferências de governos nacionais tenham uma probabilidade reduzida de sucesso na condução da política monetária. Assim sendo, no caso específico da área do euro, o risco mais significativo associado a uma maior intervenção do BCE não resulta sobretudo de possíveis ataques à sua independência por governos nacionais. Resulta, assim, da existência de decisores necessariamente independentes, e por isso menos sujeitos ao escrutínio democrático, mas cujos poderes parecem entrar cada vez mais num campo menos técnico e mais subjectivo, características que são tradicionalmente associadas ao poder eleito. Um desfasamento que suscita problemas de legitimidade, especialmente num contexto supranacional. Nesta perspectiva, concluímos que a melhor forma de preservar a legitimidade do BCE é reduzir o seu campo de acção, limitando juízos de valor e privilegiando uma cultura de discrição que era característica dos bancos centrais das economias avançadas, pelo menos antes da grande crise financeira. Reconhecendo ser irrealista assumir o desprovimento total de elementos discricionários nas decisões do BCE, na medida em que situações imprevistas podem efectivamente requerer acções inovadoras, defendemos a necessidade de ter um banco central com um poder discricionário mais limitado.
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European Central Bank Discretion Independence Legitimacy Banco Central Europeu Discricionariedade Indepedência Legitimidade
Pedagogical Context
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