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O presente relatório consiste, em primeiro lugar, numa revisitação do nosso itinerário
profissional num enfoque biográfico-narrativo, tendo um enquadramento teórico que
julgamos essencial para a sua completa compreensão. Pretendemos assim escrutinar uma
trajetória profissional iniciada em meados da década de oitenta do século passado,
percecionando e dando sentido a acontecimentos e experiências passados à luz dos
referenciais contemporâneos.
Este documento surge simultaneamente como um modo de ordenar as nossas
experiências profissionais e apropriarmo-nos delas e dos seus significados individuais e
coletivos. A materialidade dinâmica da palavra do sujeito/professor, como constituinte do seu
conhecimento prático pessoal, dos seus ciclos de vida ou da sua identidade profissional,
impõe-se assim num mundo globalizado e em mutação acelerada, em que emerge uma
necessidade imperiosa de nos individualizarmos, de contarmos com referentes identitários e
onde o refúgio na própria experiência individual se converte num abrigo seguro.
Neste relato falamos sobretudo no que fizemos, o que sentimos, o que nos sucedeu ou as
consequências de determinadas ações, sempre contextualizando em relação à dimensão
institucional e ao âmbito sociopolítico que as enquadraram, tentando relacionar a ação
individual com a história social em que se inscreveu. Pretendemos, deste modo, expressar a
dimensão emotiva das experiências, a sua complexidade, as relações e a singularidade de cada
ação, tentando captar as motivações, os desejos, os sentimentos e os propósitos que lhes
estiveram subjacentes.
Tendo como referencial identitário o nosso perfil docente enquanto professores do
ensino primário, revisitamos a nossa história de vida e a nossa trajetória profissional singular
desde a formação inicial na Escola do Magistério Primário de Lamego, passando pelo
processo de socialização e de construção da nossa identidade profissional e pelos itinerários
formativos adotados ao longo da carreira. No fundo, procurámos encontrar um “fio condutor”
que estabelecesse as relações necessárias entre o que eramos e o que somos hoje, analisando o
nosso curriculum enquanto fruto do conjunto de vivências e aprendizagens que foram
configurando o que somos enquanto pessoas e profissionais.
Tendo como referencial, mas não como “bíblia” determinística, a investigação
biográfico-narrativa protagonizada por Sikes (1985), Huberman (1989), Gonçalves (2009) ou
Bolívar (2010), principalmente no que se refere aos ciclos de vida dos professores e à
demanda de padrões comuns na carreira docente, analisamos a nossa trajetória profissional entendendo-a como uma construção simultaneamente individual e social, em permanente
auto-reorganização.
Assim, partindo da indução profissional após a formação inicial, percecionando-a como
a aceitação implícita de um vínculo social e a viabilização de um projeto de vida próprio,
percorremos os caminhos ínvios das serranias beirãs num desamparo pessoal e profissional
por geografias ignotas e escolas de lugar único. A insegurança nesses primeiros tempos tinha
múltiplas dimensões: a dificuldade em implementarmos projetos pedagógicos consistentes
devido à itinerância forçada das colocações temporárias e aos consequentes desenraizamentos
sucessivos; o confronto entre o trabalho pedagógico idealizado e o ritualismo formal e uma
prática repetitiva prevalecente; o desencontro entre o idealismo vocacional e uma profunda
insatisfação face às condições objetivas de exercício da profissão, ao respeito e prestígio
profissional e à realização pessoal.
A estas dificuldades se contrapôs o idealismo (ou a inconsciência talvez) de
principiante, ancorada em fortes redes de apoio informal constituídas pelos pares. Colegas em
situações similares ou profissionalmente mais experientes constituíram uma trama relacional
que permitiu um equilíbrio pessoal e uma consolidação da profissionalidade através da
formação auto-orientada e cooperativa. Foi também neste período que iniciámos a criação de
relações profissionais, redefinimos as de amizade e de afeto, visando a constituição das
componentes estruturantes de uma vida familiar futura.
A fase da estabilização na nossa trajetória docente, como o nome indica, representou a
consolidação da identidade profissional através de um compromisso reforçado com a
instituição escolar e um comprometimento definitivo com a profissão e, simultaneamente,
uma fixação relativa em termos de locais de lecionação. Este equilíbrio profissional propiciou
um sentimento de crescente competência pedagógica e a necessidade de experimentação e
diversificação. Incluem-se neste propósito experiências tão distintas como a lecionação de
cursos de alfabetização de adultos, o trabalho numa escola de Área Aberta/tipo P3, o apoio a
alunos com dificuldades de aprendizagem ou, num âmbito de comprometimento
organizacional e coletivo, o envolvimento na criação e desenvolvimento de agrupamentos de
escolas, com a implementação do Decreto-Lei 115-A/98. Nesta fase da vida pessoal, o anseio
de transformação social e de participação ativa nas dinâmicas coletivas extravasou inclusive
para uma participação cívica em múltiplas estruturas políticas, sociais e culturais, a nível
local.
Numa lógica de desenvolvimento profissional contínuo e dinâmico, assumimos, ao
longo da nossa carreira, a necessidade de um aprofundamento das competências e dos
conhecimentos específicos à docência. Esse objetivo foi conseguido através de um investimento pessoal no processo formativo, quer na escola, através de aprendizagens formais
e informais baseadas no trabalho cooperativo e de equipa, quer nas diversas modalidades de
formação contínua, ou em modalidades mais amplas e aprofundadas como o complemento de
formação pela Universidade Aberta para a obtenção do grau de licenciado, a participação no
PNEP (Programa Nacional de Ensino do Português) num duplo papel de formando/formador
e na pós graduação em Administração e Gestão Escolar.
São pois estas as dimensões do nosso percurso profissional que abordamos
seguidamente, de modo a ilustrar de forma pormenorizada uma carreira com cerca de três
décadas. Este documento, com um forte cariz reflexivo, insere-se num paradigma
autobiográfico e descritivo da problemática da construção identitária dos professores do 1º
Ciclo e do seu desenvolvimento profissional, almejando mesclar a nossa narrativa pessoal e
biográfica com o seu contexto sociocultural, histórico e institucional. Ao basear-se numa
reflexão contextualizada, aspira a constituir-se, sobretudo, como gerador de interrogações e de
algumas pistas teóricas que permitam perceber as nossas conceções de escola e de
profissionalidade docente, tendo como ponto de partida a (re)construção do nosso trajeto
profissional.