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Em A Riqueza das Nações, Adam Smith discute as vantagens de um sistema de
liberdade natural baseado no pulsar dos interesses pessoais. No seu primeiro livro,
contudo, Smith tentou demostrar a importância da aprovação moral obtida quando nos
preocupamos com os outros. Este trabalho pretende conhecer a forma como as suas
ideias entrelaçam paixões centradas no próprio, como o ‘amor de si’, com virtudes
morais centradas nos outros, como a ‘benevolência’. Tentaremos perceber como é que
estes elementos podem ser ingredientes da sua ideia de virtude. Por fim, discutiremos
porque é que o sistema de liberdade natural poderá ser aprovado pela perspetiva moral
que Smith defende na Teoria dos Sentimentos Morais.
Esta é uma formulação do famoso enigma de Adam Smith, (conhecido por Das
Adam Smith Problem), problema este que poderá ter surgido por este autor ter usado
palavras de uso corrente para depois lhes atribuir um significado especial. De facto, para
Smith, o “interesse” pode até ser pouco interessante de um ponto de vista moral e a
“benevolência” não é sempre benévola ou indulgente. Mas apesar de a definir pela sua
“fraqueza”, o autor compreende-a como sendo a mais elevada das virtudes. Mas apela à
beneficência, como parte ativa da benevolência, e não se esquece de incluir um sentido
de “propriety” e até de “prudência”. Não obstante estar centrada no agente, a
“prudência” é parte integrante da dimensão mais nobre da virtude.
O modo como Smith propõe a sua ideia de virtude é portanto bastante complexo:
os componentes têm de entrar nas quantidades certas e cada um deles no grau certo.
Algumas das afeições vão entrar a níveis moderados, como é o caso do amor de si.
Outras são permitidas de cernelha: caso da vaidade. Mas o que permite entrelaçar as
afeções nas quantidades certas é o ‘auto-comando’. Na perspetiva dos sentimentos
morais, apaziguar os impulsos do amor-próprio que forem mais autocentrados é muito
importante. Mas a atitude de ponderar aquilo que outros sentem não deve excluir o
próprio agente moral e ponderador. Smith partilha de um certo ‘estoicismo’ e lembra
que “nós não somos mais do que um na multidão” (TMS.III.3.5). Com isto, ele quis
dizer que é precisamente por sermos “um” na multidão que o nosso dever moral deve
incluir-nos também a nós. Por isso ele não encontrou problema algum em entremear a
sua ideia de virtude com uma certa dose de “amor de si”.
Mas o termo que mais confusão gera é a “simpatia”. Ora, a “simpatia”, para
Smith, pouco tem de simpático. A simpatia é o formigueiro que sentimos numa parte do
corpo quando vemos alguém com “uma ferida” (TMS.I.i.1.3). Assim sendo, a simpatia
atua sem nos darmos conta. Ela corresponde à antecipação feita através da imaginação
do sentimento que pensamos que sentiríamos se estivéssemos no lugar de outro.
Acontece, notou Smith, que os nossos sentidos nunca nos vão informar verdadeiramente
sobre aquilo que o outro sente. Quer dizer, se nos faltar uma experiencia real igual à do
outro (o que normalmente é o caso), a simpatia procura em vão alicerçar-se em
experiencias parecidas, acabando por ser movida apenas por “imaginação”. Por outras
palavras, a simpatia redunda numa mera “ilusão” (TMS.I.i.1.13): aquilo que o outro
sente não é o que nós pensamos que ele sente. Contudo, para Adam Smith, a simpatia é
tão melhor quanto mais errónea. É pelo facto de imaginarmos, por simpatia, que os ricos
desfrutam de mais felicidade, que procuraremos desenvolver as artes e as ciências.
Numa sala repleta de bonitas cadeiras pensamos na felicidade que derivaríamos por possuir um enorme conjunto de cadeiras, diz ele (TMS.IV.i.4). A simpatia portanto,
preenche-nos os espaços vazios da experiencia que não temos; por momentos ela
permite-nos esquecer que na realidade só nos poderemos sentar numa só cadeira ao final
do dia. Por isso, estamos constantemente a adquirir “bugigangas de utilidade fútil”
(TMS.IV.i.8) que no final só nos deixam mais “ansiosos” e “mais expostos à morte”,
escreve Smith.
Num contexto histórico de pendor mercantilista ele tenta desassociar a riqueza
medida na acumulação de metais preciosos da verdadeira riqueza (wealth). Esta noção
de riqueza (wealth) é uma versão que olha o bem-estar geral da sociedade de uma forma
algo humanizada, comparando a situação económica da nação à saúde física de uma
pessoa. Smith conclui que tal como os médicos proscrevem receitas absurdas também
os legisladores poderão fazer imensos estragos. O ideal é que ambos se apercebam das
suas limitações. Ele vai chamando “natureza” ao processo de restabelecimento de
ordens na sociedade e contrasta-a com os impotentes esforços da “fraca” razão humana.
Talvez por isso, Adam Smith nota ainda que o motor da riqueza (wealth) está
num mecanismo que não pode ser induzido ou manobrado por ninguém em particular,
mas que da ação de todos dependerá. O vetor principal do crescimento económico está
na ideia de “divisão do trabalho”. Smith tenta demostrar como é que um ‘alfinete’ pode
ser resultado da combinação de vários trabalhos mas nota que a divisão do trabalho não
é o fornecedor de um determinado bem em particular. Para ele, seria a força de criação
inovadora dos bens que ainda não são conhecidos.
Smith desenvolve um pouco mais os trabalhos de uma “multidão” induzidos no
fabrico do “rude casaco de lã” – que um trabalhador escocês tem no seu armário. Neste
contexto, deixa um aviso sério: o número de trabalhadores envolvidos na produção
deste casaco de lã “excede toda a computação” (WN.I.i.11). Para Smith, não é possível
congregar a informação que não existe de forma separada do próprio aparato do
mercado. É também esta “multidão”, e não alguém em especial, que pode dar sentido
aos esforços dos outros. Talvez por isso ele use uma expressão que traduz o ímpeto dos
“interesses” que beneficiam outros, num movimento que parece ser movido como que
por uma “mão invisível” (TMS.IV.i.10 e WN.IV.ii.9).
A teoria de Adam Smith não procura estabelecer critérios de avaliação fora dos
processos internos à sociedade humana. Desenvolve para isso a ideia de “espectador
imparcial”, como forma de tentar obter um critério ajuizador. O seu objeto é imaginar
cada situação de um ponto de vista que permita expurgá-la de elementos meramente
circunstanciais que possam enviesar a apreciação moral. Ele supõe que um homem que
nasça isolado não tenha formas de encontrar padrões que lhe possibilitem sentir para
além dos seus prazeres e dores. Mas imagina que se outra pessoa lhe aparecesse à
frente, ele pudesse começar a comparar os seus traços com os do outro.
Os homens são “espelhos” uns dos outros. Para Smith, nós só sabemos o
tamanho no nosso nariz se observarmos os dos outros. Precisamos de outros para nos
concebermos a nós próprios! Os homens precisam uns dos outros porque cada um
isolado “é um náufrago no meio do oceano” (LJA.vi.45). Daí que os interesses de cada
um sejam demasiado importantes para serem desperdiçados: é que cada interesse é uma
indicação preciosa que a sociedade dispõe sobre como encontrar formas de ultrapassar
as dificuldades de cada um. Aliás, para ele, num mercado aberto à concorrência, o
cuidado que temos com o amor-próprio do outro será essencial. Aqui, a sinceridade com
que nos preocupamos com os outros acontece no mesmo momento em que o nosso
próprio amor de si é praticado. Num mercado aberto à concorrência o nosso ‘amor de si’
cumpre o dos outros. Ora, assim sendo, a teoria não carece de uma referência explícita à
benevolência. O pulsar do sistema é cumprido através da descentração de cada um. Poderemos ao final do dia “esperar” um jantar por interação, sem termos de introduzir
complicações.
Por isso ele derivou um sistema “simples”: o que permite que os vários
interesses gerem maiores quantidades de bem-estar. Mas o sistema simples da liberdade
e da justiça não aponta à sociedade finalidades precisas. Smith diz nomeadamente que
para cumprimos com os seus requisitos da justiça basta “sentarmo-nos quietos sem fazer
nada” (TMS.II.ii.1.9), enfatizando o carácter ‘negativo’ desta virtude. Mas como forma
de contrariar um efeito pernicioso da divisão do trabalho, o entorpecimento da mente
adjudicada a uma só tarefa, Smith junta à defesa e à justiça a possibilidade dos governos
financiarem “parcialmente” um sistema de educação.
O seu principal inimigo político será o ‘homem-sistema’, que procura dispor dos
interesses das pessoas ajustando-os coercivamente a um plano pré-estabelecido. Mas
Smith critica os planos perfeitos de “fanáticos” tanto em termos políticos como em
empresariais. Os comerciantes falidos “têm miragens de minas de ouro” (TMS.III.3.33),
explica. O processo pelo qual o bem-estar pode avançar vai prender-se com a
capacidade que temos de nos distanciar das “solicitações inoportunas” (TMS.IV.ii.8)
dos apetites imediatos. Prefere por isso que sejam feitas pequenas acumulações diárias e
ajustes de conduta em vez de se procurarem projetos extravagantes. Elege como forma
de se cumprirem com os requisitos dos sentimentos morais a preferência por uma vida
parcimoniosa e frugal. Mas estas qualidades serviriam ainda para ajudar a aumentar o
volume de capital e o bem-estar das nações.