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Abstract(s)
A presente tese aborda o processo de integração e governação monetária europeia. O seu objectivo é analisar o papel desempenhado pelas preferências, políticas e estratégias naquele processo. No primeiro capítulo é analisado o processo que conduziu à criação da União Económica e Monetária (UEM) como uma instituição ainda incompleta e
aberta a ulteriores desenvolvimentos, nomeadamente na área económica. No segundo
capítulo são analisadas a credibilidade e legitimidade da nova instituição,
nomeadamente da implementação ao nível supranacional de uma política monetária
comum. O capítulo 3 aborda a questão do lado dos Estados Membros, isto é, na óptica
dos constrangimentos impostos pela UEM à credibilidade e legitimidade das políticas
nacionais. No capítulo 4 é analisada a questão da sustentabilidade da UEM.
A abordagem utilizada nesta dissertação na área de Estudos Europeus é interdisciplinar. Das principais teorias da integração europeia (Wiener e Diez, 2009, e Jones, Menon e Weatherill, 2011), escolheram-se as duas que pareceram mais relevantes, quer pelos instrumentos e conceitos utilizados quer pelo próprio objecto de análise (a UEM), a saber: o neo-funcionalismo (Sandholtz e Stone Sweet, 2011) e o intergovernamentalismo (liberal; Moravcsik e Schimmelfennig, 2009, Pollack, 2011).
Duas outras abordagens ou sub-teorias da integração europeia concorrem para a
explicação dos processos em análise nesta tese: a governação a múltiplos níveis
(Pagoulatos e Tsoukalis, 2011) e o institucionalismo da escolha racional (Pollack, 2011). Estas teorias e abordagens entrecruzam já elementos da teoria das relações internacionais, da ciência política e da economia. Este enquadramento teórico ajuda a estruturar um melhor entendimento do processo de criação da UEM e contribui
igualmente para a explicação do seu funcionamento e implicações em termos de
credibilidade e legitimidade quer ao nível supranacional quer ao nível das políticas dos
Estados Membros e da sua sustentabilidade.
No entanto a tese recorre também e de modo particular a uma abordagem
institucionalista ecléctica. Aí reside mesmo um aspecto de diferenciação relativamente à
maioria dos estudos sobre a matéria. Esta abordagem utiliza elementos da ciência
política, nomeadamente no âmbito de uma abordagem (ou subdisciplina) de ‘economia
política internacional’ (Frieden e Martin, 2002, Frieden, 2009) e do institucionalismo da escolha racional. Mas utiliza igualmente elementos da ciência económica,
nomeadamente da teoria da coordenação internacional (Eichengreen and Macedo,
2001), da teoria da integração económica e da abordagem ‘política e economia’
(Persson e Tabellini, 2000; 2001), combinando elementos da teoria da política
macroeconómica com elementos de escolha racional, com particular relevo para a
análise da endogeneidade das instituições (Aghion et al., 2002, Eichengreen e Boltho,
2008) aqui referidas no âmbito do conceito tal como ele é apresentado por North (1990,
1994) – as regras do jogo.
Outro dos elementos distintivos desta dissertação é o enfoque dado ao próprio
processo de integração monetária, enquanto tal, devidamente enquadrado por outro
processo mais amplo, o processo de integração europeia (condicionado ele próprio pelo processo de globalização em curso). A endogeneidade daquele é explicada com recurso a dois estudos de caso (evidência histórica e/ou empírica). O primeiro aborda o modo de formação de preferências, em comunidades de conhecimento dinâmicas e alargadas a círculos que se vão diferenciando de forma endógena – conceito introduzido por esta tese partindo mas diferenciando-se da abordagem tradicional das relações internacionais (Haas, 1992) às comunidades epistémicas e das suas aplicações à integração monetária
(Verdun, 1999, Collignon e Schwarzer, 2003, Heipertz e Verdun, 2010). O segundo
examina as relações entre ‘actores organizacionais’, no âmbito da teoria das instituições informais (Farrell e Héritier, 2003, Mantzavinos et al., 2004) aplicada quer ao procedimento europeu da codecisão quer a experiências de aprendizagem e alterações institucionais (institucionalismo cognitivo, adoptado em trabalhos recentes de North, e nos estudos de Ostrom, 1990, ambos galardoados com o prémio Nobel), aqui aplicada ao diálogo monetário entre o Parlamento Europeu (PE) e o Banco Central Europeu (BCE).
A abordagem interdisciplinar permite ultrapassar o problema da multiplicidade de
equilíbrios (Eichengreen and Frieden, 1998), que obriga à adopção de hipóteses
arbitrárias para selecção de um determinado resultado. Assim, no capítulo 1 é possível
explicar o papel das preferências, políticas e estratégias na criação da UEM como um
mecanismo aberto em construção, nomeadamente através da noção dinâmica e alargada
a círculos diferenciados das comunidades epistémicas e do conceito de experiências de
aprendizagem (como o funcionamento e transformação do sistema monetário europeu).
Várias experiências de integração monetária anteriores falharam devido a uma
insuficiente convergência de preferências. Essa insuficiência, no que respeita às
preferências quanto ao binómio inflação/desemprego e ao tipo de instituições
monetárias a adoptar, foi ultrapassada pela criação de um mecanismo aberto de cooperação monetária, o sistema monetário europeu, que evoluiu por consentimento e interesse de todos os participantes para um mecanismo disciplinador centrado na política monetária do banco central (independente e com o objectivo estatutário da estabilidade dos preços) alemão. Com essa evolução e experiência de aprendizagem convergiram também as preferências e o ‘comprometimento’ com o próprio processo de integração monetária, sendo possível a criação da UEM, como um mecanismo igualmente em aberto quanto à coordenação das políticas económicas.
Do mesmo modo, no capítulo 2, utilizam-se vários conceitos (políticos) de
legitimidade (Scharpf, 1999, Risse e Kleine, 2007, Schmidt, 2011) – dos procedimentos,
dos resultados e inerente aos próprios processos de decisão – aplicáveis a diferentes tipos de instituições (Follesdal e Hix, 2006, Majone, 2006, e Moravcsik, 2008) – majoritárias, regulatórias e governação a múltiplos níveis – para os confrontar com os constrangimentos de credibilidade e constrangimentos políticos propostos pela abordagem ‘economia e política’ da ciência económica (Persson e Tabellini, 2000, e Drazen, 2000), o que é sumariado nos quadros 3 e 4. Este confronto permite com recurso às instituições informais explicar o tipo de responsabilização democrática que
tem ajudado a suster a legitimidade do BCE sem prejuízo da sua independência e
aumentando a sua credibilidade (e eficiência) e capacidade de influência. Abordagens tradicionais do modelo principal-agente quer da ciência política quer da economia têm esbarrado no facto de o BCE ser uma agência com total independência operacional em virtude da necessidade de ultrapassar os constrangimentos de credibilidade. A análise do diálogo monetário entre o BCE e o Parlamento Europeu (caixa 5) mostra que o mesmo tem evoluído não só para uma instituição informal de responsabilização democrática do BCE como a interacção entre os dois ‘actores estratégicos’ lhes tem sido benéfica em
termos da influência de cada um deles no sistema de governação da zona euro. O BCE
tem desse modo protegido a sua independência e o PE aumentado a sua influência no
processo de governação económica europeia.
No capítulo 3, é estudado o processo de transformação de desafios globais em
políticas comuns e a sua internalização e implementação pelos Estados Membros. O
processo de governação a múltiplos níveis contribui, sobretudo em tempo de crise
(estando em discussão questões de redistribuição entre países e sectores, envolvendo potenciais transferências elevadas de recursos, e não apenas questões de regulação), para uma maior politização das questões ao nível nacional, ajudando a uma maior definição na internalização ou não das políticas da União Europeia como objectivos nacionais. Deste modo permite explicar melhor os resultados em termos de
implementação de reformas e da percepção da sua legitimidade bem como ultrapassar o
problema (Collignon, 2010) da abordagem sequencial utilizada pela teoria
intergovernamentalista, que pressupõe a formação de preferências em dois estádios
diferentes (Putman, 1989), salientando a importância das divergências políticas internas para um reforço da capacidade de negociação internacional (europeia). O processo de governação a múltiplos níveis permite a formação de preferências sobre políticas europeias de interesse comum. Deste modo a transparência dos processos de decisão ao nível nacional aumenta significativamente.
Finalmente no capítulo 4 é adoptada uma abordagem multidimensional
(económica e político-institucional) à sustentabilidade da UEM. Desta forma é possível explicar a sua sustentabilidade pelo facto de os benefícios político-institucionais de pertencer à UEM (mas também participar no sistema de governação económica e política da União Europeia) poderem compensar a aceitação colectiva das implicações redistributivas que advêm dos custos de heterogeneidade do seu funcionamento.
Também as externalidades negativas de uma política monetária comum para as políticas
económicas descentralizadas ou da falta de coordenação destas para aquela, ajudam a
explicar as respostas (negativas no que respeita à insuficiente coordenação das políticas económicas e orçamentais e positivas no que respeita às tentativas de maior coordenação e implementação de reformas internas) quer das autoridades monetárias quer das autoridades orçamentais nacionais (e das instituições europeias) no sentido de as contrariar (ver quadro 6). Esta abordagem multidimensional é complementada por uma análise da endogeneidade política das instituições (Alesina et al., 2005). Enquanto
preferências divergentes quanto às políticas seguidas contribuem para a saída da união
(UEM ou mesmo União Europeia), uma acrescida convergência de preferências
contribui para uma maior abertura à integração política, promovendo uma maior
interligação institucional e um maior ‘comprometimento’ (Macedo et al., 2001, Jones, 2010) com o processo de integração, aumentando os custos de saída da união. Os desenvolvimentos recentes em matéria da criação de novas instituições de forma incremental revelam a natureza dinâmica dos critérios de sustentabilidade da UEM, o que é consistente com a ideia da integração monetária como um processo evolucionário (Padoan, 2002, Begg, 2010) ou, como defendido nesta tese, com a ideia da integração monetária como um processo explicado pela convergência de preferências no quadro de experiências com mecanismos incompletos e abertos, como é o caso da UEM.